quinta-feira, 26 de abril de 2007

Documento histórico saído da penumbra


Como é que o único texto - e respectiva publicação - que se conhece, redigido pelo homem que mais tempo governou Portugal, permaneceu na penumbra durante anos e anos mesmo entre os meios académicos nacionais, tendo sido publicado não muito longe de cá, na quase vizinha França e num mundo que se arroga a globalizado, é coisa que dificilmente se compreende. Isto tendo em conta parâmetros da mais objectiva sensatez. Foi preciso uma editora quase marginal entre os meios lusos trazer a público um texto essencial para a compreensão do pensamento do homem que marcou o século XX português.

Em meados de 1936, um emissário da editora francesa Flammarion negociou com António de Oliveira Salazar a pubicação de um livro que, resumindo as opções políticas e a acção governativa do Estado Novo, constituísse o «cartão de visita» do pavilhão de Portugal na Exposição Internacional de Paris, a realizar entre Maio e Novembro de 1937. [...] Ignorado no nosso País durante décadas, Como se levanta um Estado mantém-se, pelas suas características singulares, uma obra indispensável na análise do fenómeno salazarista e no estudo de um período determinante da história política nacional.

Isto é parte do prefácio assinado pelos editores. No que respeita ao texto propriamente dito destaco estas passagens significativas que durante tanto tempo permaneceram na obscuridade:

Perante a Nação, mal despertada do seu torpor, reanimando-se penosamente de um pessimismo doentio, forçada pelas circunstâncias a defender o seu nome, a sua vida e a sua histórica missão civilizadora, aquele que governa não pode ver interesse nas mudanças superficiais que deixam intacta a causa dos males, mas sim, e unicamente, nas profundas transformações económicas, sociais e políticas que dão origem a novos costumes e a novas concepções de vida social e os garantem.

Passagem intrigante, esta, referente ao estado do país após a I República, pela carga quase adventista, não se tratasse de uma mera, mas curiosa, repetição dos ciclos da história...
Mas adiante.
Se para alguns que até agora se debruçaram no desempenho económico do Estado Novo este terá mostrado características liberais, tais características certamente seriam involuntárias se tomarmos em conta as seguintes passagens, entre muitas, neste livro:

Ora o liberalismo, no sentido absoluto do termo não existe e nunca existiu: do ponto de vista filosófico é um contra-senso, e na ordem política é uma mentira.
O Estado é por si mesmo, e qualquer que seja a sua forma, uma construção política derivada de um sistema de conceitos fundamentais: conceito e valor da Nação, conceito da pessoa humana e dos seus direitos, fins do homem, prerrogativas e limites da autoridade. Daí deriva logicamente tudo o resto.

E por tudo o resto, o "nosso homem" não poderia deixar nas entrelinhas a economia e o papel não apenas regulador como também determinante do Estado não apenas na economia, mas também em outros aspectos sociais tais como a saúde, a justiça e por daí em diante. Se dúvidas houver, bem mais adiante diz ele:

Uma vez desligada a riqueza dos interesses da vida humana, a produção caminhou audaciosamente para soluções que desconhecem, a traem e a aniquilam, sem que os Estados, guardiães e condutores dos povos, se tivessem dado ao trabalho de reagir perante esta economia de suicídio. Haverá maior absurdo do que trabalhar para morrer, maior absurdo do que dar à vida, como finalidade, o seu próprio aniquilamento?
Resumindo: a riqueza, os bens, a produção não constituem em si mesmos fins a atingir; eles devem satisfazer o interesse individual e o interesse colectivo; não significam nada se não estão ao serviço da conservação e da elevação da vida humana.

Acerca do propalado fascismo e nazismo, contemporâneos durante tanto tempo do Estado Novo, Salazar dedica-lhes um capítulo em conjunto com o comunismo soviético. Muita tinta tem corrido sobre a distinção ainda não assimilada por muitos quadrantes políticos nacionais entre Estado Novo, ditadura nacional e fascismo. Capítulo esse significativamente intitulado O Estado Português Não é Fascista. Deste destaco a seguinte passagem sobre o nacional-socialismo:

Talvez seja lamentável que - sem dúvida como consequência da atitude especial que foi levado a tomar no interior do País - este nacionalismo esteja vincado por características raciais tão bem marcadas que impôs, do ponto de vista jurídico, a distinção entre o cidadão e o sujeito - e isso sob o isco de perigosas consequências.

Em suma, este livro trata-se de um depoimento, de um documento histórico imprescindível para quem quiser saber com sinceridade mais acerca de Salazar e do Estado Novo. Não consigo entender como esteve tanto tempo ignorado pelo mercado livreiro nacional e mais ainda pelo meio académico português que vem desenvolvendo de algum tempo a esta parte um estudo sério e aparentemente aprofundado da história de Portugal do século XX.

5 comentários:

Ana M. disse...

Acertei logo num dia em que o tema do post é o eleito da Maria Elisa.
And now... for something completely different:
Tens uma nomeação à tua espera, na minha casinha.

Pequena Papoila disse...

A questão crucial para que este tipo de livro não fosse divulgado, será porque o seu teor, contém informações bem esclarecedoras sobre o regime (e os porquês do mesmo) assim como, do seu fundador (pensamento filosófico, ideológico/político e económico) que o redigiu!
Ora, para muitos, seria inconcebível, que este conhecimento viesse a público, depois de se ter denegrido o regime de forma tão profunda e negativa, quer seja por vinganças mesquinhas ou receio de represálias. A análise do Estado Novo e de Salazar, deverá ser feita de forma isenta e sem quaisquer constrangimentos, sim, porém com o devido distanciamento Histórico que se impõe, e só assim, terá a devida credibilidade e se fará verdadeira justiça!

Pedro disse...

"Ora, para muitos, seria inconcebível, que este conhecimento viesse a público, depois de se ter denegrido o regime de forma tão profunda e negativa, quer seja por vinganças mesquinhas ou receio de represálias. A análise do Estado Novo e de Salazar, deverá ser feita de forma isenta e sem quaisquer constrangimentos, sim, porém com o devido distanciamento Histórico que se impõe, e só assim, terá a devida credibilidade e se fará verdadeira justiça!"

Nem mais. Só ponho reticências é à verdadeira justiça, acho que a verdade histórica nunca é 100% conseguida. Quanto ao resto é tudo verdade.

Lixo de luxo disse...

Foi pena não ter preparado a sucessão, de um dia para o outro ficamos na mão de uma casta bastante duvidosa.

Lixo de luxo disse...

Foi pena não ter preparado a sucessão, de um dia para o outro ficamos reféns de uma casta bastante duvidosa.