Na sequência de uma reflexão sobre a moral e a ética numa sociedade plural e de economia de mercado, decidi elaborar um texto sobre a Maçonaria – ou no léxico maçónico uma prancha - numa perspectiva crítica e desassombrada sobre esta Ordem e uma visão pessoal acerca do seu presente e futuro. Por ser um dos meus antigos temas de estudo decidi-me a partilhar a minha perspectiva sobre um assunto que suscita a curiosidade de muita gente. Neste sentido, para aqueles que queiram uma introdução para melhor se inserirem no tema, remeto-os para uma síntese mais abreviada neste artigo que elaborei no ido ano de 2003 para a revista digital Herne, a qual espero que retome o mais breve possível a sua actividade entretanto interrompida.
II
Começo por salientar, antes de mais, aquilo que no meu entender poderia constituir uma característica favorável à Maçonaria quer na actualidade quer no futuro numa sociedade pluralista e liberal: o seu objectivo de construir uma ética individual. Pois a Maçonaria embora tenha nascido em consequência de um agrupamento de indivíduos e de uma determinada conjuntura sociocultural, as suas ideias doutrinárias põem a ênfase no indivíduo, no microcosmos, cuja ética é essencial para a harmonia e o equilíbrio do mundo, ou macrocosmos. A luz iniciática tem como fim essencial a transformação do indivíduo, simbolizada pela evolução da pedra bruta até atingir o estado de pedra cúbica perfeita. O conjunto de pedras cúbicas irá erguer o Templo da Humanidade, isto é o Templo de Salomão, em relação ao qual o imaginário maçónico construiu o seu próprio mito baseado neste rei de Israel e no mestre arquitecto Hiram.
Ora, este papel de destaque do sujeito em si mesmo como ponto crucial da evolução social, que por sua vez parte do indivíduo para o colectivo (e não do colectivo para o indivíduo tal como muitas ideologias progressistas defendem) poderia fazer da Maçonaria uma das instituições fundamentais numa sociedade globalizada em que prevalecesse o mercado livre e cuja ética e solidariedade não fossem competência, nem muito menos imposição, do Estado.
Contudo, ao longo dos anos todas as obediências maçónicas viram a sua imagem desgastada, devido entre muitas razões, a guerras e cismas internos, escândalos de corrupção e de crime organizado, desleixo ritual e ético e falta de exigência nas admissões de recipiendários. Podemos também referir as sempre difíceis relações com as várias denominações religiosas cristãs, em especial com a Igreja Católica, segundo a qual os maçons incorrem em "pecado grave" com várias esforços e campanhas de dissuasão. As constantes bulas de condenação e reprovação provêm desde os tempos do nascimento da Maçonaria, contudo as relações agravaram-se com a laicização do Grande Oriente Francês, nos finais do século XVIII, que relativizou o significado do símbolo máximo, ou seja o Grande Arquitecto do Universo, abrindo deste modo as portas a ateus e agnósticos. O Grande Oriente Francês deixou, então, de ser reconhecido como regular , em conjunto com outras obediências seguidoras, por determinação da Grande Loja de Inglaterra, a qual possui essa "autoridade" de reconhecimento entre o mundo da Maçonaria dita regular.
Por outro lado o processo de laicização maçónica foi de certo modo paralelo ao da cultura ocidental, muitas vezes entrecruzando-se ambos os caminhos. Processo que vinha ganhando forma desde os tempos da elaboração da Encyclopédie.
Desde essa altura muitos ilustres maçons travaram batalhas com consequências visíveis pela laicidade e pelo livre pensamento e a evolução dos tempos e os ventos da mudança muitas vezes sopraram na direcção deles. Contudo, o reverso da medalha, que entre muitos não é entendido, é que foi precisamente o impacto crescente do materialismo e de diversas correntes próximas do nihilismo e do marxismo que ao assumirem um papel preponderante na cultura e nas mentalidades da sociedade contemporânea ocidental foram também relegando para segundo plano a Maçonaria e as suas lutas. Subsequentemente, o humanismo secular dispensa-a e chega a desprezá-la, a religião olha-a com desconfiança, senão mesmo com reprovação. Por outro lado, se em parte assistimos a um renascimento da necessidade de alimento espiritual, a Maçonaria não apresenta a solidez nem a consistência espiritual do dogma das religiões reveladas nem o efeito novidade e o folclore das novas correntes New Age.
III
No presente e no futuro o papel e a sobrevivência da Maçonaria serão uma incógnita, embora numa primeira análise seja de duvidar um futuro promissor, pois a secularização crescente das mentalidades se por um lado a tornam desnecessária, anacrónica e incompreendida, por outro falta-lhe a consistência teológica e espiritual que os mais carentes deste alimento procuram nas religiões reveladas e em outros movimentos assumidamente religiosos e espirituais. Para além disto a Maçonaria é uma instituição que em primeira análise não é fácil de classificar, pelo menos de modo rápido, claro e objectivo. Pois não se trata de uma religião, não é uma associação política (pelo menos assumidamente), não é uma associação meramente cultural e/ou de beneficência e, em simultâneo, acaba por ser isso tudo e eventualmente muito mais. Ora a ambiguidade e a pouca visibilidade de propósitos claros levou a que ao longo dos tempos perdesse objectividade, dando origem a que dela se fizesse aquilo que muitos bem entendessem e que inclusive caísse em muitos casos em mãos de elementos desonestos e oportunistas.
Por seu turno, a desconfiança e a facilidade intrínsecas ao ser humano e em especial aos Portugueses - que todos os dias vêem mediatizadas as mais diversas teses de "cabalas" a justificar situações pouco claras e encrencas diversas - com que se elaboram teorias de conspiração têm sido pouco justas para com aqueles que dentro desta Ordem trabalham honestamente e de modo sinceramente filantrópico em prol de um mundo melhor.
Por outro lado, o paralelo estabelecido com o Opus Dei faz pouco sentido. A tese de guerra secreta é apenas ficção muito rentável de novelas adaptadas ao grande ecrã. Aliás, esta prelatura da Igreja Católica, embora seja evidente o seu propósito inicial de uma segunda contra-reforma - esta já não contra os protestantes e os hereges mas sim contra a inevitável evolução da laicidade, e também contra alguma desmoralização e imobilismo vigente em diversos sectores do catolicismo - acaba por ser vítima de muita efabulação que em tempos idos também fustigou a própria Maçonaria. Uma coisa têm porém em comum, ambas são vítimas do ódio dos quadrantes anticapitalistas e antidemocráticos.
Concluo com a dúvida e a incógnita quanto ao futuro: poderá uma sociedade liberal, na qual o Estado possa relegar para a sociedade e para o indivíduo o papel regulador e vigilante com princípios éticos comuns, sobreviver apenas com valores materialistas, dependendo apenas da ética do mercado? Será a religião – seja ela qual for – a única fonte de valores éticos e morais para uma sociedade equilibrada e justa?
Por outro lado, o paralelo estabelecido com o Opus Dei faz pouco sentido. A tese de guerra secreta é apenas ficção muito rentável de novelas adaptadas ao grande ecrã. Aliás, esta prelatura da Igreja Católica, embora seja evidente o seu propósito inicial de uma segunda contra-reforma - esta já não contra os protestantes e os hereges mas sim contra a inevitável evolução da laicidade, e também contra alguma desmoralização e imobilismo vigente em diversos sectores do catolicismo - acaba por ser vítima de muita efabulação que em tempos idos também fustigou a própria Maçonaria. Uma coisa têm porém em comum, ambas são vítimas do ódio dos quadrantes anticapitalistas e antidemocráticos.
Concluo com a dúvida e a incógnita quanto ao futuro: poderá uma sociedade liberal, na qual o Estado possa relegar para a sociedade e para o indivíduo o papel regulador e vigilante com princípios éticos comuns, sobreviver apenas com valores materialistas, dependendo apenas da ética do mercado? Será a religião – seja ela qual for – a única fonte de valores éticos e morais para uma sociedade equilibrada e justa?
2 comentários:
A Ética, pobre dela, está, a quase todos os níveis, em acelerado estado de degradação.
Os valores inverteram-se: O que ontem era motivo de vergonha, hoje é orgulho (não vejas aqui segunda intenção) e vice-versa.
Que tipo de sociedade, secreta ou não, poderá resistir ao vendaval dos tempos?
Se persistir na imutabilidade, não se lhe augura um futuro muito promissor...
Enquanto houver um homem à face da Terra, Sininho, haverá sempre hipocrisia nas convicções e nas ideias, oq ue não significa que as coisas melhorem se as convicções e as ideias desaparecerem.
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