Se, à falta de expressão mais idónea, a nós nos é lícito empregar a palavra "democracia", a Realeza é desta forma o único regime estruturalmente democrático que se conhece na história. E dizemos "democrático, porque só a unidade da soberania, como a Realeza a obtém e consolida, realiza o equilíbrio das classes, sem predomínio, seja ele qual for, de umas sobre as outras.
Detalhando melhor a nossa tese, não se suponha que floreamos com ela um paradoxo impertinente! O grande mestre que foi Fustel de Coulanges já sustentava que a "república" só era compatível com a aristocracia, enquanto que a democracia só se acomodava verdadeiramente à Monarquia. Antes de avançarmos, entendo, porém esclarecer o significado dos dois vocábulos na linguagem do ilustre historiador. "Foi a Grécia - dizia Fustel - que introduziu no mundo o governo republicano, e foi uma classe aristocrática que o introduziu na Grécia". Mais tarde em Roma é a aristocracia que derruba a Realeza, substituindo-a por um Senado que deliberava e por magistrados que executavam as deliberações do Senado. Tanto na Grécia como em Roma, a aristocracia, fundando a República, teve logo o cuidado de afastar a multidão das funções directivas. Mais tarde, no momento em que a república sucumbe, é substituída na Grécia pelos «tiranos» clássicos e em Roma por César que abre as portas ao Império. O que é depois o Império senão um mandato exercido em nome do povo romano?
António Sardinha In Ao Princípio era o Verbo, 1940, pp. 125-140
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