terça-feira, 19 de agosto de 2008

De como a consciência nos pode enganar e a simplicidade de quem trabalha desmente facilmente as balelas do costume

O senso comum, dos comuns mortais, prega as mais variadas partidas e induz a enganos e logros aos quais, a priori, os iluminados estão imunes. Na maioria das vezes as ideias provenientes do senso comum tornam-se vox populi e confundem-se e dão origem a preconceitos, ideias feitas e clichés.

Perante o até ontem resultado nulo em medalhas por parte da, já não tão pequena como isso, comitiva olímpica portuguesa, as críticas de falta de empenho não se fizeram esperar. O chorar de dinheiro proveniente do erário público para bolsas para os atletas derrotados também não. Eu, muito suspeito em falar no assunto devido, por um lado, ao meu já conhecido antiestatismo e, por outro, à falta de conhecimento da realidade e do rendimento desportivo, tenho-me contido em abordar o assunto. Embora tivesse uma tentaçãozinha mafarriquenta de mandar umas larachas quer contra a política de subsídios quer contra expectativas irrealistas dos media e da populaça quer contra a mentalidade comodista e preguiçosa de quem se abotoa a uma bolsa simpática que nos dá acesso a Pequim e a um aprazível passeio em ambiente olímpico. A minha consciência, armada em iluminada, dizia-me: "Pedro não sejas mauzinho! Sabes lá o que é esforço físico ao limite! Não te fies na maledicência do povinho."

Eis quando a Vanessa, com toda a justiça amada pelo País que com gáudio tem vindo a representar e a quem tantas alegrias tem dado, desenganou de modo sincero e desassombrado quer a minha consciência armada em intelectualóide e moralista, quer muitos iluminados que por aí pululam, muitos deles a chorar o pouco apoio que o papá-Estado dispensa aos pobrezinhos dos atletas:


Perante isto calou-se quer esta consciência, chatinha q.b., quer o Pedro mauzinho. Não tendo este último mais nada a acrescentar perante tais palavras, as quais deviam bastar para muita coisa ser repensada.

4 comentários:

Miguel Lopes disse...

As minhas desculpas por vir aqui deixar um comentário a despropósito do post, mas estávamos a ter um debate aqui e um dos meus comentários ficou a "aguardar moderação" enquanto um comentário posterior ao meu era aprovado. Isto é, bateu na trave da censura.
Como convém não incomodar os espíritos para que os outros possam resguardar os seus dogmas do debate (afinal é um direito negativo que lhes assiste), decidi dar paz às alminhas e transcrever o comentário para aqui. Não vão os bichos acabar como Milton Friedman, que dizia que se a realidade não confirmasse as suas teorias, então era a realidade que estava errada.
Espero que esteja mais receptivo.
O comentário rezava assim:

"Quando se fala em “instrumentos democráticos”, termo que foi o senhor quem primeiro utilizou não se está a falar em leis aprovadas por maioria parlamentar ou por plesbicito."

Pois não. Está-se a falar em instrumentos que possibilitam essa mesma feitura e aprovação das leis. Instrumentos esses que você paga, quer queira quer não queira, e leis essas que você cumpre, quer queira quer não queira. O argumento que deixei, e que quero ver replicado, é o de que tanto o pagamento coercivo dos instrumentos como a obrigação de cumprir as leis, violam direitos negativos, exactamente porque a democracia é um direito positivo dos cidadãos.

"Decerto deve estar ou a gracejar ou então muito equivocado, talvez devido ao ódio e desprezo que não será difícil intuir que sente pelos EUA."

Não sei como é que chegou a essa conclusão, mas tropeçou aí algures. Tiro na água.

"A independência da Islândia em relação à Dinamarca dá-se em 1874, sendo antes disso um território sem soberania própria, logo sem sistema político representativo."

Antes que a polissemia do termo transforme a discussão numa conversa de surdos, convém dizer que:

- A democracia enquanto conceito é ateniense;
- A primeira experiência parlamentar é islandesa (Althing), embora sem continuidade;
- O Grão-ducado da Finlândia foi o primeiro a formalizar o sufrágio universal (1906).
- Para o mesmo efeito, e relativizando a importância do sufrágio universal, até a democracia do Reino Unido (1707) é mais antiga que a americana.

"Pois é, precisamente por ser uma lei entregue aos estados para sua livre decisão, não se trata de um aparelho centralizado tal como acontece em Portugal e nos estados de natureza socialista."

Ai trata-se trata-se. A educação é centralizada ao nível dos vários Estados com as políticas fiscalizadas pelo Departamento de Educação. Tal como acontece em Portugal, e ainda bem.

"acho é que é um equívoco defini-la como um direito adstrito a um regime democrático."

Também eu. Exactamente porque se o povo decidir que a educação não deve ser um direito positivo, então a democracia em questão não deve instituir a educação como direito positivo. Simples.

"Ó senhor!! Naquele tempo das delícias revolucionárias do PREC não havia partido que não incluísse a saúde e a educação como “responsabilidade do Estado”. Mesmo o CDS!"

Naquele tempo?! Eu estou a falar do presente. Ou muito me engano, ou somos governos por um partido socialista. E o partido socialista tem posições muito claras sobre esta matéria.
E em segundo lugar, há alguma coisa que impeça uma revisão constitucional para além do número de votos necessários?

"Aliás se esse seu argumento fosse válido para todas as circunstâncias não teria sido necessário referendos para o Aborto, Regionalização"

Creio que só se fez um segundo referendo sobre o aborto, porque se fez um primeiro. A democracia directa devia estar melhor definida porque eu não vejo falta de legitimidade ao Parlamento para ter legislado sobre o aborto quando se decidiu fazer o primeiro referendo.

Cumprimentos

Pedro disse...

Miguel

Obrigado pelo seu comentário. Pode comentar neste blog sempre que o entender. Quanto ao que lhe aconteceu no outro, na minha opinião, foi que os tipos de lá devem ter decidido algo tipo isto "ide debater lá para vossa casa!"... Suponho eu, pois eu não os conheço de banda nenhuma a não ser de visitar o blogue deles.

Quanto ao nosso tema de debate. nas questões de história de democracia e qual a mais antiga do mundo, o Miguel referiu primeiro a Islândia, a qual sabe tão bem como eu que não se enquadra no contexto em que discutíamos. Suponho que pode ter sido lapso e um engano qualquer um pode ter. Isto tomando em conta, que se formos a assinalar qualquer assembleia tribal e conselho de anciãos como exemplo de país democrático aí nunca mais sairíamos daqui e teríamos de viajar se calhar para a Papua-Nova Guiné ou para tempos pré-cristãos...
Quanto a um dos exemplos que desta vez me dá, a Finlândia, posso assegurar-lhe sem referir datas que n sei de cor, que o sugrágio universal nos EUA é anterior a 1906.
Não obstante este facto, não é apenas o sufrágio universal que determina um sistema representativo, aliás o primeiro ensaio deste como bem exemplificou terá sido na Inglaterra.
A frase e o conceito não são meus. Trata-se de uma somatória de atributos organizados do ponto de vista cronológico. Mas uma coisa é certa: como país com soberania e governos próprios, os EUA são aquele que com mais antiguidade dispõem de um sistema representativo e de gestão e equilíbrio de poderes mais livre, embora não perfeito, como é evidente.

Mas creio que o ponto principal da nossa discussão foi aquela que o Miguel deu origem no seu 1º comentário, no qual deu a entender que sendo a sustentação da própria democracia um direito negativo (por ninguém poder deixar de sustentar o Estado, ao que eu respondo não ser um atributo próprio e exclusivo da democracia mas sim do Estado e em qualquer regime político) e como tal isso dá a devida permissão a uso de outros direitos negativos desde que sejam em consonância com a maioria.
Ora, numa primeira análise teórica e abstracta isto pode ter lógica, mas levantam-se facilmente outras "vozes" pelo seguinte:

- Nenhuma medida é suficientemente bem escrutinada quando incluída num pacte de medidas. Por exemplo, quem votou PS nas últimas eleições pode ter estado de acordo no essencial com o programa mas ser em simultâneo contrário a muitos outros projectos de governação. Em democracia vota-se no mal menor e não em medidas concretas uma por uma que conscientemente votemos. Daí a necessidade de referendos.

- Eleições aparte, a democracia não obsta a que um governo e/ou uma corrente ideológica faça com que a constituição e respectivas leis se dirijam no sentido de o Estado se intrometer o menos possível na vida dos cidadãos e no mercado. Tal implica o fim de muitos desses direitos negativos, cuja legitimidade teórica não está em causa mas sim seus efeitos práticos.

- É impossível saber quando um direito negativo vai a curto, médio ou longo prazo ser benéfico para a dita maioria. Por mais que tenha o benefício da dúvida, os direitos negativos no que concerne ao Estado social, têm vindo por todo o mundo a sofrer reveses. Pelo logro que representou esse conceito aplicado à economia. Exemplo disso foi a queda do modelo das sociais-democracias nórdicas, as quais nos anos 90, muitos dos seus anteriores apologistas contribuíram para a sua "desconstrução". Ventos da história...

- No meu entender haverá sempre direitos negativos. Mas pelo facto de existir um, os impostos por exemplo, não implica que a sua reprodução seja efectiva e eficiente.

Cumprimentos e volte sempre

P.F.

Miguel Lopes disse...

No texto que escreveu, confundiu direitos negativos com direitos positivos.

"Quanto a um dos exemplos que desta vez me dá, a Finlândia, posso assegurar-lhe sem referir datas que n sei de cor, que o sugrágio universal nos EUA é anterior a 1906."

Os critérios que utilizei para escolher o Grão Ducado da Finlândia são a capacidade estendida a tod@s para eleger e ser eleitos a partir de uma certa idade.
Os EUA só estendem o direito de voto às mulheres em 1920 com a 19ª emenda constitucional.

"EUA são aquele que com mais antiguidade dispõem de um sistema representativo e de gestão e equilíbrio de poderes mais livre, embora não perfeito, como é evidente."

Aí já entramos no campo da subjectividade. Se lançares os atributos que consideras indispensáveis para se considerar uma democracia, talvez se consiga fazer a prova.

"ao que eu respondo não ser um atributo próprio e exclusivo da democracia mas sim do Estado e em qualquer regime político"

Correcto. A diferença é que em democracia, os seus direitos negativos são violados pela maioria. E num sistema ditatorial, são violados por um traste qualquer.
Quem resolveu esta questão foi Bakunine in "A imoralidade do Estado" argumentando que a sociedade não nasce de um contrato social, e que os homens não nascem com contratos, libertam-se deles. E Bakunine tinha razão, quase todos os Estados nasceram da violência e pela violência se mantém.

"Nenhuma medida é suficientemente bem escrutinada quando incluída num pacte de medidas."

Como é lógico. E até podias ter ido mais longe e afirmar que ninguém lê os programas partidários e que eles não abordam todos os programas da governação.
O problema é que, mesmo engolindo todos os defeitos da democracia, continua a ser o melhor sistema.


"a democracia não obsta a que um governo e/ou uma corrente ideológica faça com que a constituição e respectivas leis se dirijam no sentido de o Estado se intrometer o menos possível na vida dos cidadãos e no mercado."

Claro. Só que a democracia implica também que a mesma porta que serviu para aprovar essas limitações na vida dos cidadãos e no mercado, seja a mesma porta que dá a possibilidade aos cidadãos de se voltarem a intrometer na vida dos cidadãos e no mercado.
Se o PCP ganhasse as eleições e cumprisse o seu programa eleitoral, um democrata poderia discordar mas não podia pôr em causa tudo o que dentro da legalidade fosse feito.

"Pelo logro que representou esse conceito aplicado à economia."

Era uma discussão que nos iria levar muito longe. Estou em desacordo em relação às sociais-democracias nórdicas, que ainda se mantém de pé e dão a cara pelos países mais desenvolvidos do mundo. Embora no caso sueco, se tenha rompido um reinado social-democrata de 30 anos nos anos 90.
Por outro lado, os modelos neoliberais deram origem a várias crises como na Argentina, na Malásia, no México, etc..

"Mas pelo facto de existir um, os impostos por exemplo, não implica que a sua reprodução seja efectiva e eficiente."

Correcto. O meu argumento é que os direitos positivos não servem para ser eficientes, embora o possam ser. Na minha opinião os serviços públicos em monopólios naturais com grandes externalidades na actividade económica são mais eficientes do que a sua privatização.

Cumprimentos

Pedro disse...

Andemos então às voltas com a História, o que é positivo pois é uma disciplina muito importante e esquecida.

"Os EUA só estendem o direito de voto às mulheres em 1920 com a 19ª emenda constitucional."

E aos negros também foi posteriormente. O sufrágio universal, nunca é 100% universal.Pois depende das circunstâncias e mentalidades de uma época. Os Finlandeses incluíram as mulheres em 1906. Muito bem. De certeza ficaram grupos étnicos sem direitos de cidadania excluídos (estou a lembrar-me da rivalidade entre grupos bálticos, eslavos e escandinavos que ainda hoje se faz sentir naquela região, onde ainda se sente divisões linguísticas e sociais), assim como os ditos menores de idade. Estes últimos continuam excluídos, e parece-nos lógico. Tão lógico como pareceria aos nossos trisavós excluir as mulheres e os negros.
Daqui por cem anos bem decerto haverá algum pasmo pelo facto de os indivíduos entre os 14 e os 18 anos estarem no nosso tempo impedidos de votar, bem como os imigrantes residentes sem nacionalidade e alguns grupos de inimputáveis. Felizmente o mundo não é estático.

"Se lançares os atributos que consideras indispensáveis para se considerar uma democracia, talvez se consiga fazer a prova."

Já fizeste essa prova, mas faltou-te o essencial. Não juntaste os atributos todos num só país que continuamente, num período de mais duzentos anos, venha a usufruir deles. Quais são os atributos de uma democracia? Deixo ao teu critério.

"em democracia, os seus direitos negativos são violados pela maioria. E num sistema ditatorial, são violados por um traste qualquer."

De acordo. Por isso prefiro a democracia como já tive oportunidade de dizer. Apenas ressalvo uma coisa, na minha opinião, a democracia não é um fim em si mesma. É um meio de um país e uma sociedade serem governados de forma ordeira e num Estado de direito. Principalmente para um traste qualquer não usurpar a autoridade e reinar o nepotismo e a arbitrariedade. Tal poderia implicar que os direitos positivos se sobrepusessem aos negativos, muito mais do que numa democracia. O que não implica que certas ditaduras não confiram mais liberdade em alguns aspectos do que algumas democracias. E que não haja ditaduras melhores do que outras.Mas isto já é outra conversa.

"a democracia implica também que a mesma porta que serviu para aprovar essas limitações na vida dos cidadãos e no mercado, seja a mesma porta que dá a possibilidade aos cidadãos de se voltarem a intrometer na vida dos cidadãos e no mercado."

Se bem entendi, acabas por me dar razão quando eu digo que a democracia não tem necessariamente que trazer essas limitações.
Eu acrescentaria que a tendência é para que estas se vão dissipando.
Posso não me ter feito entender bem, mas eu não contesto a democracia. Contesto é o facto de quererem que lhe estejam adstritos carradas de "direitos positivos", e cegueira e minudências constitucionalistas que acabam por burocratizar e cercear a liberdade de escolha de muitos cidadãos. Dou como exemplo a actual lei antitabaco no que concerne à violação dos direitos de propriedade privada; à ausência do antigo direito de admissão (tenho um post referente a isso), aos quais se podem juntar alguns outros, tais como a lei da paridade e qualquer forma de discriminação positiva, que ainda prevalece em alguns estados dos EUA.

"O meu argumento é que os direitos positivos não servem para ser eficientes, embora o possam ser"

Pois. Aqui discordamos, como é evidente.
No entanto, o que tenho constatado é que os acérrimos defensores de direitos positivos no sentido do Estado social alteram em muito sua filosofia e a maneira de pensar quando a ineficiência destes direitos os afecta de modo directo... Mas como diria o outro, antes tarde que nunca.

Cumprimentos